quinta-feira, 11 de setembro de 2008
O boteco: origens...
"Numa época em que tudo era mais simples e concreto, Luis Alphonsus foi às ruas em busca da alma dos pés-sujos do Rio. Não me parece que ele tenha tido qualquer dificuldade em encontrar. Pois não havia, então, nenhuma dúvida a respeito do que era um boteco de verdade. Em 1978, não havia redes de botequins, muito menos bares temáticos. Pé-sujo era simplesmente onde o povão bebia e conversava. Onde engravatado não entrava, e moça boba de classe média apertava o passo, assustada, quando passava na porta. Era onde se vendia cigarro no varejo, fumo solto pra cachimbo, sedas Colomy e ficha de telefone. Onde o ovo era rosa não por estilo, mas para afastar as moscas. E a rabada estava lá, toda a semana, só porque era a única coisa que o cozinheiro nordestino sabia fazer. Bar, boteco, botequim, birosca: no bojo desses bês, de Botafogo a Bangu, a câmera de Luiz Alphonsus revela aos poucos o inventário/itinerário da birita. Birita braba, barata, a de balcão. Ou bebida mansa na mesa, garrafa pela metade, rótulo cintilante, com direito a conversa mais assentada. Pouca luz: à noite um limão na Lapa. Mais luz: uma lourinha às onze da matina, mais perto da praia: brilho de suor, brilho de gelo, o sol incendiando o asfalto ao redor deste escuro e minúsculo oásis. O fotógrafo registra de um só trago. Fumaça: início de briga, brincadeira. Mais brahma. Foco. Vidro contra vidro, riso que atravessa o riso: o dia tilinta ali dentro em movimentos lentos: intervalo o tempo amorfo da metrópole. O fotógrafo registra. O artista é o olho que pisca. Olho sem dono que devassa a intimidade mal iluminada da sinuca, da porrinha, do papo meio sussurrado entre cartas de baralho, farelos de sanduíche. O grafismo do néon. A TV que tremula em faixas de luz imprecisas, como as imprecisas ondas do som que cruzam o recinto: espaço de solidão, espaço de convívio. A prateleira totêmica que aculula ícones e garrafas, as tochas de um estranho altar etílico em que de repente assoma o cavalo branco de São Jorge. Birinight. Arte menos palavra. Pesquisa obsessiva deste enredo cavado no possível: o de um povo que mata sua sede." (Eudoro Augusto Macieira Rio, janeiro de 1980)
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